70 Anos | IAM

Painel 2

 

Em 1970, no governo de Garrastazu Médici, no auge do chamado ‘milagre brasileiro’ e, sua contrapartida, os ‘anos de chumbo’, de intensa repressão e perseguição política, um decreto deu origem à Fundação Instituto Oswaldo Cruz, logo em seguida à cassação de dez de seus pesquisadores. Aí foram aglutinados diversos órgãos do Ministério da Saúde, que tinha posição subalterna no âmbito do governo militar e cuja política privatizante dava ênfase à medicina curativa para as camadas mais abastadas dos centros urbanos. Entre os órgãos amalgamados na Fundação Instituto Oswaldo Cruz estavam os centros de pesquisa do INERu, braço do Departamento Nacional de Endemias Rurais, que se tornaram campi regionais da Fiocruz, inclusive o Instituto Aggeu Magalhães, ao mesmo tempo em que a SUCAM substituía o DNERu.

As origens do Instituto Ageu Magalhães estão ligadas à problemática das endemias rurais, que foi revelada à opinião pública nos anos 1910, quando relatórios e imagens produzidos por expedições do Instituto Oswaldo Cruz ao Nordeste e outras partes do interior do Brasil mostraram que estava longe de ser o paraíso de salubridade apregoado pelas oligarquias, em contraposição às pestilentas cidades litorâneas, inclusive a capital federal. A imagem prototípica deste Brasil descortinado pelos cientistas do Instituto Oswaldo Cruz foi o Jeca Tatu, personagem de Monteiro Lobato que simbolizava as populações rurais abandonadas peloEstado e roídas pela miséria e por enfermidades típicas de países atrasados.

No começo dos anos 1930, o Serviço de Febre Amarela implantou em todo o país as viscerotomias para avaliar a real extensão desta doença que deixava de ser considerada exclusivamente urbana para se tornar silvestre também. A extração e exame de fragmentos do fígado de milhares pessoas que morriam de doenças febris pôs em grande evidência duas endemias rurais: a leishmaniose visceral e a esquistossomose. Encarregado de investigar a primeira, Evandro Chagas, lho primogênito de Carlos Chagas, logrou transformar a comissão formada para o estudo da leishmaniose num ambicioso Serviço de Estudo de Grande Endemias. Em 1938, à frente dele, visitou Pernambuco onde a alarmante difusão da esquistossomose fora revelada num estudo recém-publicado por Aggeu de Godoy Magalhães, catedrático de Anatomia Patológica da Faculdade de Medicina de Recife. O Estado Novo acabara de ser instaurado, e com o apoio de Agamenon Magalhães, irmão de Aggeu e interventor federal nomeado por Vargas, tiveram início as pesquisas de uma Comissão de Estudos de Patologia Experimental do Nordeste (CEPEN) ligada ao SEGE e dirigida por Aggeu, que era também diretor da Faculdade de Medicina e do Serviço de Vericação de Óbitos do Departamento de Saúde do Estado de Pernambuco. Mas os trabalhos da CEPEN desandaram depois da trágica morte de Evandro em 1940, num desastre aéreo.

Oito anos depois, o projeto de institucionalizar as pesquisas sobre a esquistossomose e outras doenças parasitárias foi retomado por Amílcar Barca Pellon, diretor da Divisão de Organização Sanitária, um órgão do Ministério da Educação e Saúde. Consta que ao entrar na sala do catedrático de Anatomia Patológica, Pellon anunciou: “Aggeu, cheguei para realizar o seu grande sonho e de Evandro!” O governador do Estado, Alexandre Barbosa Lima Sobrinho, desapropriou um terreno atrás do Hospital Centenário, na Rua do Espinheiro n. 106, e logo foi iniciada a construção do prédio do instituto de pesquisas, mas o patologista pernambucano não chegou a vê-lo pronto. Faleceu em 31 de julho de 1949 e a inauguração do instituto batizado com seu nome aconteceu só no ano seguinte. Seis anos depois, o Instituto Aggeu Magalhães passou a fazer parte do Instituto Nacional de Endemias Rurais, juntamente com o Núcleo de Pesquisas de Salvador (Instituto Gonçalo Muniz) e o Centro de Pesquisas de Belo Horizonte (Instituto René Rachou).

A direção do Aggeu Magalhães foi entregue ao talentoso Frederico Adolfo Simões Barbosa, filho e neto de conceituados clínicos e de tradicional família de Pernambuco. Um Adolpho Lutz redivivo, era médico e sanitarista, biólogo, parasitologista, entomólogo e malacologista. Simões Barbosa fez da esquistossomose a espinha dorsal das investigações do Instituto Aggeu Magalhães e soube atrair pesquisadores estrangeiros de renome e recrutar jovens estudantes de medicina talentosos como ele, como Eridan de Medeiros Coutinho, que viria a dirigir o Instituto, e Marcello de Vasconcelos Coelho, que viria a liderar as pesquisas sobre as leishmanioses no Instituto irmão do Aggeu Magalhães, o René Rachou, em Belo Horizonte. Em entrevista concedida em novembro de 2016, Eridan contou: “Nós éramos Ministério da Saúde, ganhávamos por uma verba despretensiosa e sem nenhuma garantia, a ‘verba 3’ que às vezes atrasava meses. Tínhamos ideais em comum, de querer fazer pesquisa numa época em que era extremamente difícil. Pesquisa já era difícil no Brasil, aqui então, nessa região, era apenas na Universidade, alguns poucos professores que faziam alguma coisa, mas não era uma pesquisa sistematizada”. Como mostra a exposição ora inaugurada, deram frutos aqueles esforços e a semente plantada por Evandro Chagas e Aggeu Magalhães desabrochou nesse coletivo cientíco vigoroso que é respeitado internacionalmente e é motivo de orgulho para todos os brasileiros. 

Jaime Larry Benchimol
Historiador, pesquisador da Casa de Oswaldo Cruz/Fundação Oswaldo Cruz.