Institucional

Saúde Mental e Relações de Poder na Pós-Graduação

Publicado em 29 de Setembro de 2022

Desde a primeira experiência de ensino formal até as pós-graduações, a figura do professor/orientador é constituída de uma autoridade intelectual e institucional, quase inquestionável. Essa relação de poder, quando exercida de forma autoritária e equivocada, tem levado ao adoecimento mental de seus estudantes e orientandos.

 

Infelizmente, mesmo quando essa relação de poder se dá entre profissionais adultos, como é o caso da pós-graduação, esse quadro não muda. Reconhecendo essa realidade e querendo discutir coletivamente possibilidades de mudanças efetivas na ralação orientador versus orientando na Fiocruz Pernambuco, a Vice-direção de Ensino, através do Serviço de Orientação Estudantil (SOE), em parceria com o Centro de Apoio ao Discente (CAD), da Fiocruz, realizaram nos três últimos dias, dois importantes eventos.

 

O primeiro evento, ocorrido na manhã da terça-feira (27/09), foi o Seminário Saúde mental e qualidade de vida. Em seguida, na tarde da terça-feira, na Fiocruz PE e durante todo o dia seguinte, num hotel em Aldeia, aconteceu a Oficina “As relações de poder na pós-graduação e os seus impactos na saúde mental", com uma turma voltada para os docentes e duas para os discentes.

 

No encontro aberto a toda a comunidade, coube ao vice-diretor de Pesquisas, Desenvolvimento Tecnológico e Serviços de Referência da Fiocruz PE, Manoel Lima Júnior, representando o diretor da unidade, Pedro Miguel Neto, que estava em viagem, dar as boas-vindas ao público. Manoel falou sobre a qualidade de vida e as relações profissionais na instituição, solicitando a todos que refletissem sobre qual a atuação de cada um no ambiente de trabalho visando torná-lo um espaço mais saudável. Lembrou ainda a importância de considerarmos não apenas o lado profissional dessas relações, mas também o lado humano. Ter respeito pelo outro, mas também ter empatia. “O Sistema (capitalista) nos leva a situações de disputa, de alta produção, mas vivendo em ambientes patológicos. É muito importante a ação que estamos realizando hoje aqui. No entanto, não adianta termos apenas um dia dedicado a Saúde Mental. Temos que construir um movimento terapêutico de cura”, concluiu.

 

Compondo a mesa de abertura, junto com Manoel, estavam a vice-diretora de Ensino da Fiocruz PE, Idê Gurgel, a coordenadora-adjunta da Pós-Graduação da Fiocruz e pesquisadora da Fiocruz PE, Eduarda Cesse, a coordenadora adjunta das Residências em Saúde da Fiocruz, Adriana Coser, a coordenadora da Associação de Pós-graduandos da Fiocruz PE, Ângela Pereira e a coordenadora do SOE e responsável pela coordenação dos eventos, Joselice Pinto. 

 

Eduarda Cesse, falando em nome da vice-presidência de Ensino, Informação e Comunicação (VPEIC), pontuou a importância de se enfrentar a questão da Saúde Mental na pós-graduação, afirmando que ações como essas (a realização do seminário e das oficinas) vêm para consolidar a atenção da nossa instituição para com a Política de Ações Afirmativas, instituída na Fundação através da portaria da presidência da Fiocruz de n°491, de 20 de setembro de 2021. Cesse ressaltou que uma vez abertas as portas de acesso à Fiocruz, a gestão – em especial a presidência, a vice de Ensino e o CAD – tem investido na permanência desses alunos. Uma permanência com saúde mental e qualidade de vida.

 

Saúde mental na pós-graduação- Etinete Nascimento, coordenadora do CAD foi a responsável por apresentar o seminário e trouxe para o público presente dados científicos que corroboram a percepção e os depoimentos que demonstram o adoecimento mental da população brasileira, fazendo um recorte dos estudantes na pós-graduação. Segundo Etinete, o Brasil é o país com mais pessoas diagnosticadas com ansiedade no mundo, sendo a saúde mental a terceira causa geral de afastamento do trabalho no país.

 

Ainda segundo os dados trazidos pela coordenadora do CAD, “as taxas de doenças mentais como depressão, ansiedade, crise de pânico, distúrbio do sono, além do risco de suicídio, são muito maiores entre os estudantes da graduação, e principalmente da pós-graduação, do que no restante da população”. Especificamente na pós-graduação alguns aspectos colaboram para esse quadro. São eles: crescente competição nos processos seletivos, luta para se manter na vaga, necessidade de alto desempenho na produção de artigos científicos e bolsas de estudos insuficientes. Outro dado relevante trazido por Etinete que 45% dos estudantes de mestrado e doutorado, do total 2.903 entrevistados em todo o Brasil, se sentiam excessivamente cobrados pelo seu orientador ou programa, para publicar artigos em periódicos. Além disso, 40% alegaram ter como preocupação maior o medo de perder o emprego ou a bolsa de estudos, seguido pelo medo de não terminar a sua dissertação ou tese (37%).

 

Abordando o efeito nocivo do produtivismo no mundo acadêmico, Etinete citou Francisco Portugal que diz: “em muitos casos, o sentido dessa atividade deixou de ser a produção de um conhecimento relevante e passou a ser uma máquina de reproduzir conhecimento."

 

E a saúde mental do pesquisador/orientador? O profissional da educação também está desestimulado, sente a pressão da produtividade, recebe pressões políticas e é monitorado. Além disso, trabalha com uma alta carga de funções burocráticas, vive a frustação da falta ou corte de verbas, sente-se defasado em relação ao uso de novas tecnologias e por fim, tem remuneração não condizente com o tempo dedicado ao trabalho e à própria formação. Destacando que o adoecimento mental não é uma questão meramente individual, mas também social. No final, foi aberto um debate com os participantes do seminário sobre ações e comportamentos que podem e devem ser adotados para uma relação mais saudável, como construir ações de acolhimento, adotar e aperfeiçoar ações em prol da assistência estudantil, entre outras.